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“Joana e o Carteiro Nereu” de Mefistus

(Fonte:http://people.zeelandnet.nl/plievense/Zundapp.htm)

Logo de manhã,bem pela matina, a pequena mulher da tão longínqua localidade, acabava de se pentear e simulando estar atarefada, a entrada de casa varria.
Com um olhar lânguido, nas copas das árvores, ouvidos atentos na pequena estrada, de alcatrão negro, que serpenteava por entre os pinheiros, formosos e esticados, aguardava a vinda do seu amado.
Joana demorava na tarefa, esperando a vinda do seu cavaleiro andante, em Zundapp montado,para que o seu coração tivesse sossego.
Meia hora depois, o som da mota, surgiu:
-Lá vem Nereu, como prometeu!
Radiante, apertou o cabo da vassoura, como se fosse vida e aguardou.
De capacete enfiado, bolsa castanha a tiracolo, ele se ergueu e um aceno de mão deu:
-Bom dia Sr. Nereu!
-Bom dia menina Joana.
-Há carta para aqui?
-Não sei ao certo, ainda não vi.
Num gesto calmo, tirou o capacete, e o olhar dela, absorveu tão lindo rosto, o cabelo loiro, solto. Os lábios finos e perfeitos:
-Lamento, não tenho!
-Pois então já vai embora?-perguntou com ansiedade
-Tenho de voltar à cidade.-Murmurava Nereu, perdido no rosto pálido de Joana
-Esperava a hora de o ver!
-Arrisquei muito, pois deve chover.
Vendo-se a sós, com o seu cavaleiro, deu-lhe um beijo na face e segredou:
-A chuva vai aguardar.
-Bem, – retorquiu quase sem fala-, posso esperar.
Durante meses cortejavam-se em silêncio, ele vinha ela o via. ele ia, ela se despedia.
Já não podia mais contentar seu coração, com visitas peródicas, queria forçosamente beijá-lo, amá-lo, deixar-se de retóricas.
Ali estava ele, o seu Nereu, em pleno apogeu de camisa perdida, ela com ele na cama, entretida.
Foi bom o amar, de fogo verdadeiro e imenso suar.
Guardou no seu corpo o cheiro, o olhar, para mais tarde, a sós o recordar.
Ergueu-se o corpo atlético do nobre carteiro, um ultimo beijo certeiro e com promessas de amor se despediu, enquanto ela o vestiu.
Joana encontrou o amor, deu uso dele, nessas semanas seguintes.
Projectos, casamento, intento, afectos.
Andava feliz Nereu, com que Deus lhe deu.
Andava radiante Joana, naquela Era profana.
Porém nesse dia, cumprindo o ritual, a entrada varria, quando na rádio, por entre a estática, o anuncio fatal:
-Um acidente…rssss….uma mota que caiu ….desfiladeiro….carteiro…
O coração de Joana, as tonturas, o largar da vassoura, o sacudir o rádio, a revelação.
-Já há dados concretos…rsss…foi acidente….rss..Paulo Nereu…rsss…Faleceu.
Como uma facada, ela dobrou-se, rolou chão, amaldiçoou o infortunio, chorou.

Logo de manhã,bem pela matina,Pedro, descalço calcando as ervas circundantes, apontava com a alegria dos seus cinco anos, a copa das árvores e de mão dada com a mãe, explicava aos amigos:
-O meu pai vinha sempre por ali.De mota,ver a minha mãe. Fizesse sol ou chuva, só para a ver. Não é, mãe?
-Sim pedro!
Sonhava Joana Simões com o regresso do barulho da Zundapp, como num sonho que ele voltasse, e o filho conhecesse e a ela a beijasse.

By Mefistus

5 thoughts on ““Joana e o Carteiro Nereu” de Mefistus

  1. É uma escrita diferente da habitual em ti.
    Noto a poesia a estalar, mas mantens o mesmo vínculo coerente e uma enorme qualidade na interpretação dos aspectos morais ou fisicos das personagens.
    Penso que o fazes prepositadamente, apesar de não ser pensado, na cosntrução das mesmas personagens.
    Acredito mesmoo que as visualizas em ti e de um modo fenomenal,transportas esse teu “vêr” para a nossa imaginação.
    Sabes que resultaria em TV? Claro que sabes.
    Não o vejo como bonzinho, mas como um relato fiel e bem veridico, que pode ou podia ter acontecido.
    Só não gostei dessa tua capacidade de síntese que retirou prazer à emoção.
    Um conto SOBERBO!

  2. Sim João Paulo!
    Se reparares bem,a mota é do Fernando Couto e os sapatos do Paulinho Santos.É que sou Jet-Set e todos queriam participar neste conto.
    Um dia escreverei um conto bestial…até lá. obrigado por tambem leres os bonzinhos.

  3. Ia jurar que o tipo da mo parece o Vitor Baía!
    Mais um conto, mais uma chance de te ver falhar.
    No entanto, saltas com uma expressão, que me matou a vontade de criticar:
    “Ali estava ele, o seu Nereu, em pleno apogeu de camisa perdida, ela com ele na cama, entretida.”
    Suave e ao mesmo tempo revelador.
    Acredito que como conto cumpre a sua finalidade.
    Não está bestial, está bonzinho.

  4. Diferente, mas igualmente intenso Mefistus.
    Ao contrário dos outros contos este é pequeno, o que vem provar o bem que escreves em todos os modelos.
    Imagino o olhar sonhador do miudo, a apontar a estrada. Emocionei-me.
    Obrigada!

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